sábado, 16 de junho de 2012

Seu filho merece um não


Um adolescente que pode tudo: ficar na Internet o tempo que quiser, aparecer na sala com 15 tatuagens sem chocar ninguém, voltar para casa a hora que bem entende, dormir com a namorada, que vai acordar de camisolinha e te chamar de “tia” no café da manhã, e até fumar maconha, desde que seja em casa. Pobre dessa velha criança: contra que ela vai lutar, se tudo lhe foi permitido?
Se você acha normal uma menina de 12 anos usar um monte de pulseiras coloridas que, arrebentadas, a obrigam a dar um beijo ou transar, é bom parar de ler esta página. Porque é evidente que ela não tem discernimento algum sobre essa brincadeira inconsequente. E, se tiver, como vai dizer não ao coleguinha? Você se lembra bem de como era duro ser adolescente e ficar de fora da brincadeira da moda, arriscando ser tratada como lixo pela “turma”. Então é melhor mesmo generalizar e proibir essa infâmia.
Muitos pais, depois de ler vários manuais de bobagens, têm medo de dizer não aos filhos por medo de cercear sua individualidade e criar adultos reprimidos, como aprendeu a geração 70, filhos da ditadura e dos divãs dos psicanalistas. Diante do meu espanto com as paredes de sua sala de estar completamente imunda e pichada, uma conhecida disparou: “A Pituquinha é muito artística e a psicóloga disse que não deveríamos proibi-la de pintar nada para não inibir sua criatividade”. Será que a mãe de Monet o deixava pintar a sala de casa e não o obrigava a guardar direitinho os pincéis na caixa em que os encontrou?
Não que eu defenda os pais tiranos, longe de mim. Tem gente que flerta com a loucura ao proibir tudo: dormir na casa do amiguinho, usar um pé de tênis diferente do outro, ir para a matinê com todos os colegas. Mas é preciso saber dosar: não há o menor problema em querer conhecer os pais do amiguinho que vai hospedar seu filho, exigir que ele telefone de vez em quando, vesti-lo e penteá-lo apropriadamente para ir ao colégio (até porque, no futuro, seu chefe não gostará de vê-lo com um pé de cada cor), buscá-lo na matinê para ver que turma é aquela — e fuxicar sempre o Facebook dele, lógico.
E, se um dia, seu filho contestar uma regra imposta — e ele há de contestá-la, pode aguardar — para certas perguntas ainda não inventaram resposta melhor do que “não porque não; a casa é minha, que eu pago as conta e aqui mando eu”. Como era bom o tempo em que nossos pais gritavam para apagar as luzes porque eles não eram sócios da Light. Ou quando ameaçavam nos colocar para fora de casa se não chegássemos na hora determinada. No futuro, quando seu filho for confrontado a uma situação cuja solução depende de disciplina, você será lembrado não apenas pelo que lhe deu, mas pelo que lhe negou.
Uma criança familiarizada aos limites tem grandes chances de ser um adulto consciente de que o mundo não lhe deve nada; que é preciso correr atrás para conquistar aquilo que se deseja; que sua liberdade termina onde começa a do outro; e que o outro não é obrigado a ceder a seus caprichos e vontades.
Também saberá que ninguém é de ninguém; que as pessoas que entram em sua vida não fazem parte de uma corte pronta para servi-lo; que ele não tem controle sobre todas as coisas e sobre os sentimentos alheios; e que, por mais que seja traído ou enganado, não pode sair por aí fazendo — literalmente — picadinho de seres humanos. Está aí outra educação negligenciada, a emocional. Nesse mundo novo de relacionamentos frágeis, em que um casamento pode durar dez anos ou dez dias, em que se pede um divórcio como se vai à feira, uma criança deve também ser iniciada na arte do desapego afetivo, porque só quem recebeu muito não na vida é capaz de superar uma desilusão amorosa e estar pronto para outra.
Na educação das crianças, é preciso bom senso, como em tudo na vida. E estabelecer regras claras, explicando por que os limites existem e, obviamente, punindo quando eles são rompidos. Porque a vida é duríssima e todo mundo um dia acaba pagando por suas faltas — menos os políticos, é claro.

Fonte: Época


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