domingo, 16 de outubro de 2011

Coisas que não entendo no amor


Tem coisas que eu não entendo no amor. Coisas que simplesmente não consigo compreender. Penso, analiso, tento fazer cara de intelectual, mas que, tenho de reconhecer: não entendo. Fato é que vejo com uma frequência absurda pessoas que não se amam declarando amor umas às outras. Na igreja, por exemplo, pastores dizem “vire-se para o lado e diga ao seu irmão ‘eu te amo’”. Aí você se volta para um completo desconhecido e diz, com um sorriso amarelo e falso, “eu te amo, meu irmão”, às vezes até com um abraço constrangido. Mas não ama nada, você nem o conhece. Uma forçação de barra sem verdade, sem profundidade. E, em primeira instância, uma agressão ao real significado e à essência do amor. E, do mesmo modo como praticamos muitas vezes esse gesto inútil na liturgia eclesiástica, muitos praticam gestos inúteis na liturgia da vida em nome de um amor que não existe. Por razões que aviltam a essência do amor, que é tudo sofrer, tudo crer, tudo esperar, tudo suportar, nunca perecer – como Paulo bem expõe em 1 Coríntios 13.
Mas na vida de muitos, 1 Coríntios 13 não passa de uma bela poesia de Fernando Pessoa ou Vinícius de Moraes, derrotada pelas praticidades da realidade.
Nas redes sociais, por exemplo, transbordam por todos os poros pessoas que vivem declarando amores por scraps e “amigos” sem nunca nem ao menos terem se visto ou sem conhecimento profundo daqueles a quem dizem “eu te amo”. Canso de ver gente que, por trocar algumas boas palavras durante algum tempo atiram um “amo!” sobre outro alguém. Eu mesmo já ouvi de alguns “Eu te amo!” e tempos depois essas pessoas paravam de falar comigo porque expus ideias das quais discordavam.
Assim, banalizamos o sentimento mais nobre que Deus transbordou para a humanidade. E, com isso, banaliza-se o próprio Deus, uma vez que Ele, sendo amor, quando derrama amor sobre nós está se doando a si mesmo. E nós, em seguida, canalizamos esse amor para outros. Logo, quando você diz “eu te amo” para alguém está doando uma parcela da própria essência divina com que o Todo-Poderoso te presenteou.
Não me parece algo a ser distribuído superficialmente ou a granel. “Eu te amo” é algo muito sério.
E, na vida real, fora da ficcionalidade das redes sociais, também vejo o amor sendo oferecido como amostra grátis e pelas razões mais incompreensíveis. Observo, por exemplo, gente se casando porque “está passando da idade”. Com medo de chegar ao fim da vida sem encontrar o indivíduo que será um só com você e que completará sua existência no âmbito humano, pessoas (muitas delas cristãs) fingem amar alguém e assim criam uma associação de corpos e vidas que terá como objetivo disfarçar a solidão. É o famoso “não ficar para titia”. E, deste modo, se casam sem amor, se unem pelas razões erradas, buscam num outro ente não amor, mas aplacar um medo. Um medo que poderia nem fazer sentido caso se esperasse um pouco mais. Quem disse, afinal, que o amor verdadeiro só se encontra nas primeiras décadas de vida? Quem disse que você só pode ser feliz no amor se casar-se até os trinta e poucos anos? Conheço muitos que se casaram de cabelos brancos e vivem um amor profundo e invejável – pois souberam esperar. Muito mais que dezenas de casais jovens que conheço que se casaram antes que as rugas surgissem e não conseguem nem ao menos ser felizes – por não terem se casado pelas razões certas.
O triste é que os que casam pra “não ficar pra titia” têm como motivação dessa união em vez do amor o medo. E isso eu não entendo. Expliquem-me, por favor, pois não entendo por que alguém se casa por medo.
Há ainda os que se unem motivados pela menopausa. Para realizar o sonho de ter filhos, mulheres se aliam a homens na esperança desesperada de conseguir um parceiro que lhe gere filhos e realize seu sonho de ser mãe – antes que a menopausa chegue. Mas não há amor real envolvido. Há um desespero para se cumprir um ciclo de vida. E, assim, no lugar onde deveria estar um ser amado a quem devotar-se com todas as forças e renúncias, encontra-se um inseminador, um reprodutor. E a realização que o filho resultante desse enlace virá a proporcionar terá de conviver pelo resto da vida lado a lado com o vácuo da falta de um amor verdadeiro pelo indivíduo que toda manhã acorda ao seu lado. E essa equação eu não entendo. Já tentaram me explicar, mas não entendo.
E há ainda as malditas convenções sociais. Gente que se une com quem não ama porque “é o que a sociedade espera que ela faça”. E, assim, pessoas se casam, em festas lindíssimas, que vão render fotos belíssimas, além de custar uma fortuna e uma vida de tentativas de que um relacionamento construído sobre uma obrigação dê certo. E dar certo, perceba, não significa “durar até que a morte os separe”, mas fazer cada dia ser uma empolgante experiência de troca com alguém que põe um sorriso no seu rosto por inundar o seu ser de amor e faz, em termos humanos, sua existência ter sentido e poesia. E, assim, cumpre os propósitos de Deus para a humanidade.
Pois, se você tem a ideia equivocada de que o casamento foi instituído por Deus apenas para cumprir o “crescei e multiplicai-vos”, como uma obrigação animal de perpetuação da espécie, sugiro ler Pv 19.22a: “O que se deseja ver num homem é amor perene”.
Herodes mandou cortar a cabeça de João Batista pois havia feito uma promessa à filha de Herodias de que, se ela dançasse para ele, receberia do soberano o que quisesse. Só que ela pediu a cabeça do profeta em um prato. Marcos 6.26 diz que “aflito”, mas com medo dos olhares da sociedade, Herodes, mesmo contra a vontade e triste, manda decapitar o primo de Jesus e apresentar sua cabeça num prato. O mesmo ocorre todos os dias com milhares de casais por todo o mundo: sob os olhos da sociedade se casam para cumprir a obrigação social de se casar e com isso corações são decepados pelos carrascos da pressão popular e apresentados em pratos aos convidados de cabelos cheios de laquê das festas de matrimônio.
Só que, no dia seguinte à noite de núpcias, cada membro da sociedade volta para sua rotina (de barriga cheia de bem-casados, coxinhas de galinha e brigadeiros) e aquele casal se vê ali, um ou talvez os dois com os corações decapitados em pratos e obrigados a construir uma vida que tinha de ter por base o amor mas teve por motivação a cobrança dos amigos, parentes, irmãos da igreja, pastores e convenções sociais. E o amor divino toma um murro no estômago – pois os envolvidos não souberam tudo esperar, tudo suportar, nunca perecer. Eu tento entender, me esforço, brigo comigo mesmo para aceitar e assimilar isso, convencer-me de que essas coisas são normais. Mas não consigo. Simplesmente não consigo entender a substituição do amor por… por o que mesmo?
O “casar-se para não ficar abrasado” então, tem levado dezenas de jovens pós-adolescentes que não conhecem nada da vida a se unir em matrimônio a namorados que em poucos anos deixarão de lhes interessar e o amor, que foi substituído pelo sexo como motivação para o matrimônio, vai se tornar um conceito distante, efêmero. A maturidade chegará, os valores de cada um mudarão e aquele com quem se casaram sem amor mas para “não pecar” e deixar suas igrejas mais tranquilas se tornará apenas um companheiro de quarto (muitas vezes já até sem sexo, porque onde não há amor o sexo é uma prática lacrimejante). E uma vez mais não entendo isso, pois afinal casamento é um projeto de vida alicerçado nessa coisa estranha chamada “amor” e não no contato de genitais, que é uma mera consequência.

O amor é eterno ou não?

Dizem que o amor muda com o tempo. Eu acredito piamente que o amor verdadeiro e bíblico dura até a morte, é perene e imoldável. Não se ajusta às situações. Creio que o amor verdadeiro é como um rio que não seca nem desvia seu curso; estará sempre ali – às vezes com a maré mais alta, às vezes mais baixas. Mas nunca seco. E não entendo quando alguém diz “o amor acabou”. Expliquem-me, pelo amor de Deus, como é possível que o amor que “jamais se acaba”… acabe.
Recentemente, conversando com uma amiga que perdeu há dez anos o homem que amava de forma trágica num assassinato, ela me confidenciou que até hoje, dez anos depois de sua morte, ainda o ama. Isso eu sou capaz de entender: o amor que dura até após a morte. Que leva Carlos Drummond de Andrade a definhar após o falecimento da esposa amada e morrer pouco tempo depois – de tristeza, dizem.
Deus não é amor? Se você respondeu “sim”, eu pergunto: E Deus muda? Deus se molda à vontade dos homens? O Deus Filho, que é amor, não suportou todas as afrontas? Não esperou pacientemente toda a duração de sua tortura, toda a angústia da Cruz, toda a vergonha, toda a crítica e afronta? E sabe por quê? Por ser amor.
Se há coisas que não entendo no amor, muito mais não entendo como o maltratamos. Em especial, não entendo quando fazemos o desamor agir como sendo amor. O amor verdadeiro não diz que é quando não é. O amor verdadeiro é e age como tal. O amor não mente. Não diz “eu te amo” quando não ama. Isso não é amor, é mentira.
Amar é só dizer “eu te amo” a quem realmente se ama.
Amar é saber conter o abrasamento pelo tempo que for preciso, por mais que seja difícil.
Amar é saber esperar a pessoa certa e não a idade que os outros julgam certa.
Amar é adotar uma criança, caso o amor verdadeiro chegue após a menopausa.
Amar é construir uma vida com alguém porque ela é o SEU projeto de vida e não de seus parentes, amigos ou irmãos da igreja.
Amar é unir-se a alguém por amor e não por medo.
Amar é saber dizer não a todas as razões erradas.
Em sua obra-prima, vencedora do prêmio Nobel de Literatura, O amor nos tempos do cólera, o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez conta a saga de um casal que vive o amor bíblico sem nem ao menos perceber-se disso. Na história, um homem espera 51 anos, nove meses e 4 dias pela mulher amada. Ele só a tem na velhice. Mas afirma que valeu a pena esperar – pois era ela quem ele amava. Nós e muitos dos jovens de nossas igrejas estamos ansiosos por agir não segundo o amor que tudo espera, mas segundo o amor ensinado em novelas, filmes, contos-de-fadas e outras obras de ficção: um amor que vira para o lado e diz que ama… quando não ama. E, com isso, almas adoecem e a vida se torna vazia de significado. Pois o amor entre um homem e uma mulher tem de ser construído sobre alicerces inequívocos, que justifiquem a união de corpos, almas e projetos de vida.
Eu sofro. Sofro por ver divórcios se multiplicando exponencialmente entre cristãos, por todas as razões expostas acima – e mais algumas. Por favor, me expliquem. Pois “[o amor] tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece” tem que significar algo! E parece ter virado apenas mais uma frase bonitinha a ser tuitada e esquecida segundos depois.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
por Mauricio Zágari
Fonte: Gospel Prime

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