“O trânsito estressa... Que tal uma oração?”, sugere cartaz da Igreja Universal do Reino de Deus no templo de cerca de dois mil metros quadrados na Barra da Tijuca.
O prédio fica em um dos bairros mais valorizados do Rio, numa região que registra crescimento vertiginoso e dá um ar de Miami à capital. É também a que lança modismos dos mais inusitados, como festas de casamento para cachorros de até R$ 12 mil, e a que tem shopping com réplica da Estátua da Liberdade. E é onde mais se encontram serviços delivery, fast foods e atendimentos em sistema drive-thru na cidade. Não há, portanto, de se espantar com essa novidade da fé. Mas que ela chama a atenção... isso chama. “Fazemos cerca de 100 atendimentos diários”, conta o pastor Carlos Azevedo, responsável pelo projeto.
De acordo com a Gerência de Informações de Tráfego da CET-Rio, órgão da Secretaria Municipal de Transportes, a Avenida das Américas recebe diariamente cerca de 134.750 veículos (média do movimento diário em dias úteis) em seu trecho mais movimentado. O fluxo mostra a importância do caminho, que é o principal para a circulação dos carros entre os bairros da Barra, Recreio dos Bandeirantes e Guaratiba, além de ligar seus moradores a outras localidades da zona oeste.
Por ser a principal – e mais movimentada da região –, a Avenida das Américas concentra significativa parte do comércio local. São mais de 20 centros comerciais como o Barra Shopping e New York City Center (o tal da Estátua da Liberdade) e ainda quatro hipermercados de redes nacionais e multinacionais, sem contar os grandes condomínios residenciais e comerciais.
Para chamar a atenção dos motoristas diante de tanto movimento, um grande cartaz com letras vermelhas anuncia o “drive-thru de oração”. A publicidade é reforçada por placas menores, com frases como a do início deste texto, instaladas nas calçadas bem próximas ao engarrafamento. Apesar do apelo visual, são os voluntários, boa parte jovens com idade média de 18 anos, que vão literalmente às ruas convencer os mais estressados de que seja qual for o problema, há salvação – se não para o trânsito, pelo menos para a angústia de ficar retido nele.
“Para com essa ideia, não tem isso de cobrar”
Há três meses à frente da Universal da Barra, o pastor Carlos, de 42 anos, afirma que o drive-thru de oração quer garantir a quem precisa um “momento de paz”. O serviço não é novo no Brasil, mas no Rio é inédito. Há dois anos foi implantado na filial da congregação na Vila Mariana, em São Paulo, depois de ser criado pela congênere da Califórnia (EUA). “As pessoas vivem na correria do dia a dia, sem tempo para nada. O que oferecemos é mais uma forma de comunicação com Deus”, explica o líder religioso. E nada de suspeitas de que a igreja cobra pelo socorro. Pastor Carlos garante: “Para com essa ideia, não tem isso de cobrar”.
Na última terça-feira (18), entre 19h e 20h05, 14 veículos fugiram rapidamente do trânsito colossal da Avenida das Américas em busca da palavra no drive-thru do templo. “É muito bom, a gente fica com o coração fortalecido depois de um dia cansativo. Saio com a certeza de que estou com Deus”, testemunha o motorista executivo Alexandre Lima, de 48 anos, que seguia para casa em Realengo (zona oeste), acompanhado da mulher, a administradora Solange Fernandes, e do filho Alessandro, de cinco anos.
Na cadeira de criança fixada no banco de trás do automóvel, o menino Alessandro foi ungido pelo pastor adjunto que pede para ser chamado apenas de Vinícius, embora não tenha se importado de ser fotografado. O garoto ficou quietinho durante a oração, que não dura mais de um minuto. Solange, também evangélica, mas seguidora da Igreja da Graça, apoiou o pit stop do marido. “Se 10% dos que estão nesse engarrafamento passassem por aqui, certamente ficariam mais tranquilos. A oração ajuda a pessoa a se sentir melhor”, afirma.
Rosas e azeite
De calça, camisa polo e sapatos brancos (como o pastor titular do templo), Vinícius ouve o pedido do motorista, fecha os olhos, segura o cálice dourado em uma das mãos enquanto com a outra ampara a cabeça do que eles chamam de “abençoado”. Posicionado, ele ora. Vinícius, um jovem pastor de 27 anos, membro da Universal “desde que nasceu”, explica sua missão: “Vem pessoas aqui muito desesperadas. Percebo que basta uma palavra de conforto, uma oração, para que melhorem. É gratificante”, diz. “Tem gente que quer só uma oração, tem gente que pede para ungir o carro, o volante ou a si próprio. O que a pessoa pede a gente faz”, acrescenta. Sobre o óleo ungido no cálice dourado, esclarece: “É azeite”. Em seguida, emenda: “Mas a senhora pergunta, hein?”.
Enquanto Vinícius ora, um “exército de Jesus” formado por uma tropa de sete voluntários se embrenha por entre os carros para distribuir “rosas consagradas” e jornais em formato tabloide editados pela congregação do Bispo Edir Macedo. Um táxi reduz a velocidade, mas não entra no drive-thru. “Aleluia, irmão”, grita o motorista, satisfeito com um exemplar do semanário que lhe fora entregue pela janela do veículo. Motoristas de vans e ônibus passam ao largo, mas não seguem a viagem sem parar para pegar a publicação. Passageiros dos coletivos abrem o vidro das janelas e, braços para fora, pedem um exemplar. Há os que recusam o papel, mas a tropa evangélica não se intimida com a rejeição.
Pouco depois das 20h, o drive-thru encerra as atividades. Terça-feira é dia de "cura", na “Sessão do Descarrego”. “É o dia mais engraçado”, conta o vendedor de uma das três lojas de automóveis vizinhas ao templo. “Tem gente que para aqui na porta e enquanto recebe a bênção cai no chão. A gente fica esperando para ver quem vai cair”, diverte-se uma colega de trabalho que está ao seu lado. Ambos pediram para não ser fotografados nem identificados para evitar constrangimentos com a vizinhança.
Alheios a olhares de soslaio, os pastores Carlos e Vinícius entram na igreja, que tem capacidade para 620 pessoas sentadas. “Nosso objetivo é apenas a comunhão com Deus”, diz Carlos, antes de se despedir. Os obreiros guardam os cones, a tenda montada para o funcionamento do drive-thru (que é feito de segunda a sábado, das 14h às 20h) e seguem para a homilia. Pelos gritos de “cura” da “Sessão de Descarrego”, dá para perceber que o serviço da fé não para.
Fonte: Último Segundo
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