sábado, 10 de setembro de 2011

"Prazer em conhecer, filho"


Um dos sonhos da classe média alta é a moradia num condomínio fechado, um lugar seguro, com boas famílias, boas amizades, muita tranqüilidade e sossego, pensam. De fato, em boa parte dos condomínios se usufrui os benefícios citados. No entanto, existe outro lado nesta realidade, grandes riscos e perigos podem estar escondidos atrás destas ondas calmas. Cuidado!
Num condomínio desses, de classe média alta, através de denúncias anônimas, a polícia prendeu, em flagrante, um traficante, garoto de vinte e poucos anos com dezenas e mais dezenas de êxtase. Após o flagrante, o que se viu foi a correria e o desespero da família, tentando várias formas para libertar o garoto. Nada feito, o dinheiro da família não resolveu a questão, o tipo de crime é inafiançável. Depois de todas as etapas possíveis, a sentença: quatro anos de cadeia. Ou seja, a casa chique não ajudou, o carro do ano não resolveu, as roupas caras não salvaram. Então, num último apelo por misericórdia, o pai, finalmente foi falar com o juiz. De nada adiantou, diante da lei, lugar de traficante é na cadeia e, o pior de tudo, foi ter que ouvir a pergunta desconfortável, insistentemente feita pelo juiz: "O senhor não conhece o seu filho? O senhor não percebeu mudanças nele? O senhor não conhece o seu filho?".
Quem conhece ama.
Amor é conhecimento. Ainda que o amor comece num momento de grande desconhecimento, a busca por conhecer é a constância de quem ama. O interesse, o respeito, a responsabilidade e o desejo de satisfazer as expectativas do amor, conduzem a pesquisa, a investigação e a descobertas que geram, conseqüentemente, cada vez mais profundidade no conhecimento.
Este tipo de conhecimento de que estou falando, é muito mais prático que técnico; é produto de relacionamento, em que o campo de sua investigação é o outro; com seus interesses, dificuldades, carências, defeitos e virtudes. Ou você se relaciona ou nada feito; seu conhecimento será como contemplar uma ilha distante no mar. Olhando da areia da praia ela é linda, mas, para conhecê-la mesmo, você tem que navegar até lá e explorá-la.
Coloque-se no lugar daquele pai, ouça a pergunta do juiz, "Você não conhece seu filho?". Sua resposta eu não sei; mas tive acesso a algumas das respostas daquele pai: "Doutor, eu dava tudo para ele. Ele vivia trancado no quarto. Eu achava que ele estava na internet. Ele fazia uma boa faculdade. Não notei nada, Doutor". Se você prestou atenção nas respostas, deve ter notado a ausência do pai na rotina do filho. Sem relacionamento não existe conhecimento. Relacionar-se dá trabalho, exige tempo, provoca conflitos, desencadeia crises, o que é bom, pois mostra falhas, revela acertos, aponta soluções e resulta em crescimento, maturidade.
A BarreiraA grande muralha a ser vencida chama-se comunicação. A maioria dos pais e filhos perderam a capacidade de conversar. Ambos, pais e filhos, cada grupo tem sua correria, interesse e necessidade peculiar, os mundos parecem muito diferentes. O abismo de gerações, cantado por João Alexandre, parece maior a cada geração. O mundo, é lógico, não ajuda a diminuir o abismo, só o faz aumentar. Tudo conspira para a falta de comunicação e, sem ela, torna-se impossível o conhecimento. E, sem conhecimento, torna-se inevitável o dia em que o juiz perguntará: "Você não conhece o seu filho?".
"Eram, porém, os filhos de Eli, filhos de Belial; não conheciam ao Senhor".I Samuel 2:12
A história, imagino, você já conhece. O livro é de Samuel, nada mais justo que começar com ele. Sua narrativa mostra a transição da época dos juízes para os reis. Seus personagens centrais são Samuel, Saul e Davi. Ou seja, Samuel veio ao mundo num capítulo difícil da história do povo de Deus. Logo no primeiro capítulo somos apresentados ao seu pai e ao conflito de ciúmes entre as mulheres do mesmo. O motivo era a incapacidade biológica de Ana para a geração de filhos, enquanto Penina, sua outra mulher, não parava de produzir. Porém o amor de Elcana, o marido, era incondicional, maior e mais excelente por Ana. Ou seja, todos os ingredientes para relacionamentos tensos estavam presentes naquela casa. Antes que você pergunte, a cultura da época permitia mais de uma mulher para um homem. Mas só a cultura. O plano de Deus sempre foi a troca mútua de amor entre somente duas pessoas, homem e mulher.
A teologia dos hebreus foi se desenvolvendo e crescendo lentamente em vários aspectos, este era um deles. A prova de que a cultura estava errada e Deus certo é que, em todos estes relacionamentos registrados na Bíblia, encontramos conflitos, ciúmes, mentiras, insatisfações, traições. Bem, na seqüência Ana está orando no templo. Deus a ouve, atende seu pedido e esta gera uma criança, Samuel. Este, depois de desmamado é entregue em gratidão a Deus e vai viver no templo. Estes acontecimentos produzem júbilo, glorificação, gratidão e exaltação memoráveis a Deus. No capítulo 2, de 1 a 10, encontramos o belíssimo cântico de Ana e, no versículo 11, depois desta adoração espontânea do casal Ana e Elcana, somos informados de que Samuel ficou servindo ao Senhor perante o sacerdote Eli.
Eli não é o personagem principal, muito menos seus filhos. No entanto, logo no início da história de três gigantes, Samuel, Saul e Davi, lá está a família de Eli. O versículo 12 do capítulo 2 faz questão de explicar, os filhos de Eli são filhos de Belial; embora no versículo 3 do capítulo 1 a apresentação deles ter sido mais formal: "...e estavam ali os sacerdotes do Senhor, Hofni e Finéias, os dois filhos de Eli." ·
Consegue perceber que aquele era um ambiente totalmente "igrejeiro"? Orações, votos, milagre, culto, tensão social, sacrifício, adoração, cumprimento de voto, homens consagrados, famílias tradicionais, jovens assumindo posições eclesiásticas, cargos, cântico de louvor, mais orações, rituais anuais de sacrifício e, ufa! Lá está o versículo 12 do capítulo 2 de I Samuel. É como se o Espírito Santo estivesse segurando a pena do escritor bíblico e dizendo; "Calma! Vai devagar na superatividade narrada até agora, não permita que os leitores interpretem que tudo estava bem, não demore, revele logo quem são Hofni e Finéias, mostre os podres".
A partir daí você fica sabendo que Hofni e Finéias são filhos do diabo. São só aparência. Cometem sacrilégios no altar, roubam e descaracterizam os sacrifícios dos fiéis, assim como se relacionam lascivamente com mulheres à porta da tenda da congregação. Eli é sacerdote, mesmo assim no capítulo 2, do versículo 27 ao 36, tem de ouvir a sentença de Deus para a sua casa. A sentença é a morte, porém antes encontramos a repreensão, que, na sua essência está dizendo o seguinte: "Eli, você não repreendeu seus filhos, não corrigiu. Você não acompanhou. Você teve a primeira infância, a puberdade e a adolescência dos dois. Tempo, oportunidade e chance não faltaram. Sua marca, Eli, foi a da passividade. Você não se relacionou, não investiu em conhecer. Eli, você não conhece seus filhos?".
Tudo muito triste e com muitas conseqüências. Eles morrem, mas muita gente sofre por causa do pecado pessoal de Hofni e Finéias. O ambiente, as roupas, as palavras, os costumes, as aparências, enfim, todo o "jeitão" de crente, apenas, não resolve. Quantas famílias estão vivendo exatamente assim hoje. Seus filhos na igreja, aprontando um "monte". No início, ninguém sabe, mas logo, toda a igreja está comentando. De alguma forma, pouco ou tudo, os pais acabam sabendo. Mas não fazem nada, ou por que não sabem o que fazer ou, lamentavelmente, por falta de moral e autoridade. Sabe onde a sua moral e a sua autoridade começaram a ser desrespeitadas e perdidas? Em uma palavra: comunicação. Faltou "papo", interesse, diálogo, aproximação. Hoje a muralha do silêncio está alta, sua casa desaprendeu os princípios da arte da fala. Quando você tenta falar, seus filhos ignoram, você grita, finge que manda, eles fingem que obedecem, a família finge que está tudo bem e a igreja finge que acredita. Deus, ainda bem, não finge. Da mesma forma que exigiu do escritor bíblico que estampasse os pecados da família de Eli, o fez com a casa de Davi. Para Deus não existem exceções. Pecado continua sendo pecado. E o seu perdão, continua vindo paralelo com as conseqüências do pecado praticado. Isto é graça divina, ela não admite deixá-lo na libertinagem, antes o conduz a liberdade, instruindo, corrigindo, disciplinando, curando, perdoando, salvando.
FALAR SOBRE FICAR OU FICAR SEM FALAR? Parece simples. Mas a dúvida, o medo ou simplesmente a falta de jeito inibem os pais. Se você, na condição de educador que ama, quer resgatar a beleza do diálogo, comece. Pode ser absolutamente sem graça, seu filho poderá sentir um misto de situação tensa, ridícula, engraçada, estranha ou, como eles dizem, "nada a ver".
Mas comece e não pare. Você encontrará o jeito, a forma e a hora. Quando o casal do Éden deu uma escorregada fatal, Deus não se omitiu e nem se calou, Ele procurou o casal, fez perguntas, insistiu, ainda que o mesmo fugisse do diálogo Deus não fugiu. Se olharmos simplesmente para os poucos e rápidos versículos da narrativa de Gênesis, a impressão que fica é a de sentimentos mecânicos e sentenças frias. Engano, cada versículo de Gênesis, após o pecado, está saturado de emoção. Do lado do céu é fácil perceber a decepção, a tristeza, a preocupação, o cuidado, a dor, o amor; do lado da terra, é fácil perceber a vergonha, o desespero, a confusão, a amargura, o medo, a tensão, a dor, a indecisão, o arrependimento.
Entre na cena. É Deus tendo que tratar com a obra prima da sua criação. Adão e Eva queriam dar só uma "ficada", uma "flertada" com o pecado. Conforme o aviso, fisicamente o casal tornou-se mortal, mas só vieram a morrer anos mais tarde. Porém ali, no exato momento da queda, morreu a inocência, a pureza, a constante paz na consciência, a ingenuidade, o constante prazer, o contínuo sorriso. É em meio a toda esta complexidade de atitudes e conseqüências que Deus, com amor e respeito a si mesmo e ao homem, narra a sentença dos envolvidos. Ao casal, disciplina carregada de amor, passaríamos a aprender no tombo, na luta, na humilhação, e todos que, desde então, são aprovados nas disciplinas do céu, certamente crescem, melhoram e contribuem no reino. Ao diabo uma sentença eterna, você já era, seu fim está traçado, o meu filho executará o plano! Pode espernear, quer queira, quer não, meu filho já é o vencedor!
Com certeza a conversa não foi fácil. Mas Deus, até isso, quis nos ensinar, pois Ele não precisaria conversar, dar satisfação ou explicação, bastaria exterminar com todos os envolvidos e começar de novo. Graças a Ele, o recomeço aconteceu, mas conosco!
Comece de novo, e de novo, e outra vez, não canse. Invista tempo, jogue conversa fora com seus filhos, discipline quando for o caso, elogie muito, abrace, diga "eu te amo" todo dia, ouça as reclamações, vá ao shopping (eu sei que às vezes tudo isso é chato, mas o programa em si não interessa, o que interessa é a formação emocional, racional e relacional dos seus filhos!). O resultado é grandioso: você estará resgatando o canal da comunicação, sem que perceba, o "papo" vai começar a fluir. Então, você desarma o diabo e quando seu filho estiver ouvindo o pecado ou, pior, quando estiver em pecado, poderá dizer com todas as letras: Filho, isto não! Por que não, pai? Porque desagrada a Deus. E pronto.
É isso. Nossos jovens precisam ter consciência do pecado e sua gravidade, afinal, é o mesmo que nos separa de Deus. Para o mundo tudo é relativo, sem importância ou conseqüência, é cultura. Não. Não é. Spurgeon tem um pensamento muito profundo, que traz luz para o assunto:
"O minúsculo coral não forma uma rocha que faz naufragar um navio? Os pequenos golpes não derrubam os imponentes carvalhos? O contínuo gotejar de água não desgasta as pedras? Pecado, uma coisa pequena? Ele cingiu a cabeça do redentor com espinhos e atravessou seu coração! Fê-lo padecer angústia, amargura e infortúnio. Pudesse você pesar o menor pecado nas balanças da eternidade, fugiria dele como de uma serpente e abominaria a menor aparência do mal.".
Os pecados de Hofni e Finéias não foram tratados. A disciplina que mereciam, para tentar-se ao menos a correção, não foi aplicada. Infelizmente, amor verdadeiro não foi demonstrado pelo pai, o sacerdote Eli. Talvez, para manter a aparência da família, o cargo dos filhos, o holerite, as vantagens materiais, não sei. O que sei, e com isso finalizo este texto, é que o vesículo 12 do capítulo 2 de Samuel termina com uma informação que explica aquela tragédia: "não conheciam ao Senhor!".
Eram filhos de crente, cresceram num ambiente de fé, chegaram à posição de sacerdotes, mas não conheciam ao Senhor. Uma das explicações é a que analisamos até agora, Eli não apresentou a intimidade, a moralidade, o amor e o caráter de Deus. Tão somente apresentou os rituais, estatutos e regras. Isso não basta, Eli falhou no ensino e no testemunho. Os filhos também falharam, ficaram satisfeitos com privilégios e uma santidade descartável, acharam que a influência do papai e o sobrenome da família resolveriam. Gostaram do pecado. Realmente, não conheciam ao Senhor.
Corra. Aprofunde o conhecimento pelo, por e para os seus filhos. Isto é amor, aí você entenderá a surrada frase, porém rica em significado: "Prazer em conhecer!" Conhecimento gera segurança, atitudes corretas, compreensão, amor, enfim, conhecimento gera prazer. E prazer, em última instância, deve ser o seu sentimento na instigante aventura de relacionar-se com seus filhos.

Por Edmilson Mendes
Fonte: O Clarim

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