Quando seu colega Ernest Jones perdeu a única filha, Freud escreveu-lhe uma carta dizendo: “Como fatalista incrédulo que sou, só posso mergulhar em um estado de resignação, quando encaro o horror da morte.” Ele lembrou Jones de que, quando seu neto Heinele morreu, ele mesmo havia perdido toda a vontade de viver: “Eu passei a ficar constantemente cansado da vida.” Freud parecia ser agudamente consciente da sua falta de recursos espirituais para persistir em tempos de crise. Depois da morte da filha Sophie, escreveu a um colega: “Não sei o que mais há para se dizer. Trata-se de um evento tão paralisante, que não se consegue pensar em mais nada depois, quando não se é um crente...” Freud se perguntava “quando é que virá a minha vez” e desejava que a sua vida terminasse rápido. [p. 227]
Freud encerra seu ensaio sobre guerra e morte com uma curiosa sugestão: “Se você quiser suportar a vida, prepare-se para a morte.” Freud se deu conta do que muitos psiquiatras já observavam fazia tempo: para viver plenamente, é preciso dar uma solução ao problema da morte. Se o deixarmos sem solução, gastamos energia demais em negá-lo, ou ficamos obcecados por ele. Freud não deixa dúvidas de como ele tratava o problema. Tornou-se obcecado pela morte, [além de] extraordinariamente temeroso e supersticioso em relação a ela. Freud sonhava o tempo todo com a morte. [p. 231, 232]
C. S. Lewis [em idade avançada e já viúvo] escreveu uma carta na tentativa de consolar uma pessoa gravemente doente: “Será que você não consegue encarar a morte como um amigo e libertador? Ela nada mais significa do que poder despir-se daquele corpo que a está atormentando: é como tirar um chapéu ou sair de um calabouço. O que há de assustador nisso?... Teria sido esse mundo tão bom para você, que você o deixe com tanta tristeza?” Lewis procura então confortá-la com palavras que revelam seus próprios pensamentos e sentimentos relativos à sua morte: “Há pela frente coisas melhores do que qualquer uma que deixamos para trás... Acredite, o Nosso Senhor não está lhe dizendo nada mais do que: ‘Paz, filhinha, paz. Relaxe. Deixe estar. Os braços sempiternos estão bem debaixo de você... Você confia tão pouco em Mim?’ É claro que este pode não ser o fim. Então faça um bom ensaio.” Lewis assinou essa carta com: “Seu (viajante cansado e, como você, perto do fim da jornada) Jack.” [p. 249]
Em junho de 1961, Lewis, que já sofria de males na próstata, teve uma obstrução urinária, infecção nos rins e acabou contraindo uma toxemia com sintomas cardíacos. Melhorou nos meses seguintes e continuou dando aulas, escrevendo e visitando os amigos. Em 15 de julho de 1963, Lewis teve um ataque cardíaco e entrou em coma. Recuperou-se , mas foi por pouco tempo, passando a viver de forma tranquila e feliz nos meses seguintes. A um amigo ele escreveu: “Recuperei-me de forma surpreendente de um longo coma, e quem sabe as orações incessantes dos meus amigos tenham provocado isso – mas aquela teria sido uma passagem bastante fácil, a ponto de eu lamentar o fato de a porta ter sido batida na minha cara... Quando você morrer... não deixe de me procurar... Tudo isso foi muito divertido – uma diversão solene –, não é mesmo?” [p. 249, 250]
Como Lewis ou qualquer outra pessoa poderia estar assim tão “preparado” para a morte, a ponto de encará-la não só com alegria, calma e paz interior, mas com uma expectativa da verdade? Não teria sido a sua visão de mundo que lhe fornecera os recursos necessários para tanto? Quem sabe possamos encontrar a resposta mais uma vez nas suas próprias palavras: “Se acreditamos de fato no que dizemos acreditar – se cremos que a nossa casa de fato não é aqui –, qual o problema em ter a expectativa da chegada?” [p. 252]
(Fonte: Armand M. Nicholi Jr., Deus em Questão – C. S. Lewis e Freud debatem)
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