Terra de grandes evangelistas do passado, Reino Unido descobre que seu maior desafio missionário agora são os próprios britânicos.
Ao longo dos séculos 18 e 19, a Inglaterra era a grande protagonista da obra missionária mundial. Foi das Ilhas Britânicas que levas de evangelistas saíram a ganhar almas para Cristo nos quatro cantos da Terra. Coração de um vasto império colonial que se estendia da América do Norte à Oceania, do extremo Oriente às selvas africanas, a Grã-Bretanha foi o berço de gente como os irmãos Wesley, John e Charles, cuja experiência de avivamento haveria de mudar a face do Cristianismo moderno. A eles se seguiram notáveis missionários, como Willian Wilberforce, David Livingstone, Hudson Taylor e tantos outros súditos da Coroa inglesa que dedicaram suas vidas à missão de tornar o Evangelho conhecido mundo afora. Contudo, o mesmo John Wesley, morto em 1791 e autor da célebre frase “O mundo é minha paróquia”, sentiria calafrios diante da situação espiritual de sua pátria três séculos depois de seu frutífero ministério. Secularizada, permissiva e materialista, a sociedade britânica deste início de milênio parece clamar a mesma indagação feita por ele ao regressar de uma de suas viagens missionárias: “Saímos a converter o mundo, mas quem nos converterá?”
Integrante do seleto grupo das mais poderosas nações do mundo, o Reino Unido, formado por Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, viu sua temperatura espiritual esfriar ao longo de todo o século 20. Já no Pós-Guerra, sua influência mundial era muito mais política e econômica do que religiosa, embora ali tenham surgido duas das mais importantes denominações da cristandade, o Metodismo e a Igreja Anglicana. A pós-modernidade se encarregou de jogar uma pá de cal na devoção dos ingleses a Deus. Hoje, segundo pesquisa realizada pelo Centro Nacional de Pesquisa Social do Reino Unido, 52% da população nacional dizem não pertencer a nenhuma religião. O número revela uma queda de quarenta por cento desde 1983, quando levantamento semelhante foi feito no país. Já outra pesquisa, esta levada a cabo pelo próprio governo britânico em 2001, revela que metade dos adultos com idade acima de 18 anos nunca participou de um culto. Mais – este mesmo contingente admite que conhece muito pouco do Cristianismo ou que não concorda com suas bases teológicas.
Instituições cristãs genuinamente inglesas, como o Exército de Salvação, têm sentido na pele essas mudanças e reconhecem que perderam ao longo dos anos a essência da prática do evangelismo. Criado em 1865 pelo general William Booth, o movimento salvacionista expressa em seu lema – “Sopa, sabão e salvação” – a preocupação em socorrer o homem na plenitude de suas necessidades do corpo e da alma. Com o passar do tempo, no entanto, a visão de ajuda social ficou mais forte que o caráter espiritual. Hoje, o Exército de Salvação é reconhecido pela ajuda humanitária que presta aos carentes e às vítimas de tragédias. Mas seus cultos atraem pouca gente. Major é pastor de uma igreja salvacionista na cidade de Luton, a 50 quilômetros da capital inglesa, Londres, David G. Ryder conta que é difícil alcançar as pessoas para Cristo. “Temos tentado adaptar nosso trabalho à realidade das novas gerações, mas é tarefa de formiguinha”, resigna-se.
Esfriamento
A queixa é compartilhada por igrejas tradicionais do país, que estão cada vez mais vazias. E para perceber isso não é preciso nenhuma pesquisa. O último grande momento em que os ingleses se sentiram abalados espiritualmente foi com a morte da princesa Diana, em 1997. Diante da morte trágica da popularíssima ex-mulher do príncipe herdeiro Charles, os templos ficaram lotados – talvez, muito mais numa expressão de comoção nacional do que de verdadeira devoção. Nada, contudo, que abalasse o atual status quo da sociedade britânica. A união de fatores como estabilidade econômica, alta taxa de educação e segurança social têm se mostrado ingredientes que afastam os cidadãos comuns da fé. “Existe uma conexão automática entre a riqueza e um aumento dos sem-religião. Geralmente, países mais desenvolvidos são menos religiosos. A única exceção são os Estados Unidos”, aponta David Voas, professor de Estudos da População na Universidade de Manchester. Segundo o pesquisador, a tendência natural é que a sucessão das atuais gerações não tenham ligação com a religião. “As igrejas continuarão como uma instituição importante por um tempo ainda, mas acredito que a prática de cultos logo será tida como algo peculiar e estranho diante dos olhos da sociedade.”
Crendo contra os próprios olhos, a jovem pastora batista Dawn Brown tem procurado estratégias para mudar essa realidade. Depois de trabalhar em uma grande igreja batista – lembrando que grande, no padrão britânico, é uma comunidade com, por exemplo, 300 membros –, em setembro de 2000 ela encontrou o desafio de aumentar a freqüência de uma pequena comunidade em Markyate, na periferia de Londres. Na época, a Igreja Batista de Markyate possuía apenas oito membros e, nos melhores dias, apareciam no máximo 12 pessoas. O futuro do atraente e centenário prédio, construído com pedras, parecia o mesmo de dezenas de outros templos espalhados pela Inglaterra: a venda para utilização no comércio ou como residências. “Quando cheguei, encontrei pessoas idosas, mas perseverantes na idéia de que Deus tinha um plano para a comunidade”. A primeira ação da ministra foi prática, bem ao estilo inglês. As reuniões foram transferidas do templo para uma sala menor, mais quente – nos dois sentidos, o físico e o espiritual. “A mudança nos deu a sensação de que éramos mais próximos e acolhedores”, conta a pastora.
A segunda decisão foi mais drástica. Dawn, seu marido (que não é pastor) e dois filhos adolescentes se mudaram para a pequena comunidade em Markyate, a menos de duas quadras do prédio da igreja. Foi a primeira vez, em 30 anos, que um pastor morava na localidade. O resultado das duas ações é visto a olho nu. Hoje, a Igreja Batista de Markyate recebe em média 70 pessoas por culto. Além disso, a jovem evangelista tem investido em programação para as crianças, adolescentes e jovens. Está até organizando a primeira viagem missionária para a Romênia, só com os jovens da congregação, para agosto deste ano. “Reconheço que, estatisticamente, a Igreja na Inglaterra esteja diminuindo”, diz ela. “Eu acredito que Deus é quem a constrói.”
“Precisamos de evangelismo”
Mas, sucessos pontuais como o da congregação de Markyate não são suficientes para vislumbrar a forma pela qual o Cristianismo irá sobreviver nas Ilhas Britânicas. Uma coisa parece certa: seja qual for o futuro da Igreja Cristã, ela terá que aprender a conviver com novas realidades. Uma delas é o avanço de outras crenças. O aumento do número de imigrantes em solo inglês, por exemplo, tem feito aumentar de maneira perceptível a quantidade de práticas religiosas não-cristãs. Dos grupos religiosos, os muçulmanos são os que mais crescem em números percentuais. Eles já são quase três por cento da população, ou seja, o segundo maior segmentos depois dos cristãos – com a diferença de que são muito mais aguerridos na defesa de sua fé e muito mais envolvidos em práticas devocionais rotineiras. Em seguida, vêm os hindus, com 1% da população britânica, de pouco mais de 60 milhões.
“Há um bom tempo o Reino Unido é uma sociedade formada por vários credos e isso tem um impacto na sociedade e na maneira como ela vê a fé”, comenta o reverendo Nick Baines, bispo de Croydon, ligado à Igreja Anglicana. Diante desse desafio, a Igreja Metodista e a Igreja Oficial da Inglaterra criaram um site batizado de Fresh Expressions, ou, em bom português, “expressões novas”(www.freshexpressions.org.uk). Nele, é possível visualizar mais de 5 mil novas expressões da igrejas, ou, em outras palavras, formas de culto. Além disso, segundo o religioso, muitas igrejas que participam do movimento possuem um mix de cultos para receber pessoas de culturas diferentes. Defensor de carteirinha desse novo movimento, que está se formando no Reino Unido desde 2004, Baines sabe que seu país carece de conhecer o nome de Deus. “Precisamos de evangelismo”, afirma. Mas mantém-se otimista em relação ao futuro da Igreja na Inglaterra. “Ainda existe um grande número de cristãos fiéis que fazem trabalhos significativos em prol da sociedade”, destaca. “Situações difíceis fazem os cristãos se tornarem mais criativos sobre sua fé e a maneira como comunicá-la.”
Avivamento segmentado
Na contramão de declínio das confissões cristãs históricas no Reino Unido, o segmento pentecostal tem experimentado crescimento. Nada que se compare ao avanço estatístico verificado, por exemplo, na América Latina – mas, ainda assim, o fenômeno é digno de nota na Grã-Bretanha. Igrejas de linha teológica avivada, freqüentadas por estrangeiros que vivem no país – tanto os legais quanto os clandestinos – têm se multiplicado no país, tanto na quantidade de locais de culto como de membros. O governo britânico calcula que existam cerca de 250 mil estrangeiros em situação ilegal. Mas, segundo a Associação Brasileira no Reino Unido (Abras), o número é bem maior. A entidade calcula que haja mais de 130 mil brasileiros só em Londres. Oficialmente, o número não passa de 8 mil na cidade e 15 mil em todo o país.
É justamente com uma freguesia estrangeira, latinos e africanos principalmente, que as igrejas pentecostais e neopentecostais têm se fortalecido. Bem conhecida no Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus segue na Inglaterra os mesmos moldes – seis cultos diários, campanhas de libertação e milagres e os chamados desafios de fé. O pastor da Universal na cidade de Luton, o paulista Miguel (ele não revela o sobrenome), diz que a maioria dos freqüentadores são, além dos brasileiros, portugueses e angolanos. “Mas os ingleses também têm vindo, pois gostam do jeito da igreja”, garante.
Bem mais expressiva, tanto pelo tamanho como pelo estilo dos cultos – algo entre os batistas do Brooklin, nos Estados Unidos, e a Assembléia de Deus no Brasil –, é a primeira igreja afro-caribenha da cidade, Calvary Church of God in Christ. (algo como Igreja da Convocação de Deus em Cristo). Com capacidade para receber 2 mil pessoas, a congregação, surgida em 1960, é liderada pelo bispo Alvin Blake. Além de muitos membros de origem caribenha e africana, chama a atenção a maciça presença de jovens e crianças. “Recebemos visitantes de toda parte do mundo que moram na Inglaterra. Entretanto, sendo um líder afro, as pessoas com a mesma origem se sentem mais à vontade entre nós”, conta o bispo. A maneira entusiasmada e exuberante do louvor também acaba assustando muitos ingleses, acostumados com as celebrações litúrgicas da tradição anglicana. “A cultura tem muita influência na fé das pessoas”, completa Blake.
Fonte: Cristianismo Hoje
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